quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Sociologia, ou Sociografia?

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INTRODUÇÃO AO TEMA


É inquestionável que a Sociedade portuguesa mudou, muito significativamente, desde os tempos do já longínquo pré-25 de Abril (período de transição histórica, políticamente designado por "Primavera marcelista") até aos chamados "dias de hoje", entendendo-se por este impreciso conceito entre aspas o tempo actual, da Sociedade portuguesa "pós-moderna" e "pós-europeia" da primeira década do Século XXI - a qual, quanto a mim, é constituída pelos dez anos quase exactos que medeiam entre a morte simbólica dos "loucos anos noventa" em Portugal, com a tragédia de Entre-os-Rios (no Inverno de 2001), e o derrube do segundo Governo socialista de José Sócrates, em Março de 2011.

Analisar como mudou e, sobretudo, como pode (e vai!) continuar a mudar a nossa Sociedade parece-me ser um tema bastante mais interessante, mesmo no pino do Verão, do que ficar constantemente a falar sobre o tempo, as flutuações da Bolsa de Valores (e dos humores das agências de notação financeira), ou mesmo até do que acompanhar a entediante actividade diária dos agentes políticos e partidários nacionais, que estão hoje para os factores concretos de mutação profunda da realidade social portuguesa, assim como a agitação frenética das partículas de açúcar, dentro de uma xícara de café a ser mexido, estará para os movimentos tectónicos que ocorrem sob a crosta terrestre e que, esses sim, a vão reconfigurando, muito lenta mas irreversívelmente!

Certo, mas para reflectir sobre tudo isto será preciso, em primeiro lugar, munirmo-nos de instrumentos precisos e fiáveis de análise - vou ter de confiar, para já, apenas na minha memória... - e, em segundo, despirmo-nos de todos os enviesamentos irracionais (ou imorais), de ordem ideológica, partidária ("clubística"), confessional, ou meramente oportunística. Tentemos, assim, trilhar nestas despretensiosas reflexões a pista da objectividade e da imparcialidade, pelo menos tanto quanto nos seja intelectualmente possível e éticamente exigível.




BREVÍSSIMA DESCRIÇÃO DAS MUDANÇAS SOCIAIS OCORRIDAS EM PORTUGAL DESDE O 25 DE ABRIL - E UMA QUESTÃO DE FUNDO METODOLÓGICA


Não, não é caso para rir, nem para desistir já de ler!


É sim um desafio ciclópico, descrever em breves pinceladas tanta complexidade, tanta diversidade, mas vamos a ele. Assumidamente, vamos ter de ver a realidade social portuguesa como vemos a Terra numa imagem de Satélite, ou seja, sem pormenores, nem grande rigor, antes com uma apurada e eficaz VISÃO DE CONJUNTO - a qual, muitas vezes, é mesmo o que mais nos falta, no meio de tanta informação e "imagem" parcelar despejadas sobre as nossas mentes, qual enxurrada de dados desconexos e, quantas vezes, descontextualizados e práticamente ininterpretáveis.


«No princípio era o Verbo», assim reza o início da Bíblia. Em Portugal, no "dia inicial, luminoso e limpo" de Sophia, a Sociedade era ainda a tradicional, rural e Católica, ignorante e ascética, honesta e trabalhadeira. E por vezes bastante sofredora. Mas havia, em contrapartida, algo de profundamente seminal e que hoje já não se encontra: a Esperança! Precisamente em tempos melhores. Do que os da Miséria, da Guerra e da Opressão, que foi quem na realidade governou Portugal, durante quase cinquenta anos, até ao 25 Abril de 1974!




Talvez por haver de facto - ou apenas por vagamente pressentir? - essa noção de Esperança, a Nação portuguesa era, paradoxalmente, uma Sociedade relativamente feliz: possuía muita Juventude, bastante Inocência e imensa generosidade! Cantava-se e chorava-se como se ria, ou seja, com Alegria. Depois, como se sabe, foi a inevitável explosão e o consequente terramoto...

O País foi súbitamente despertado e sacudido, de alto a baixo, por uma vaga de Liberdade, de descoberta e de frenesim como não se suspeitava possível e, como seria de prever, aconteceu um pouco de tudo. Mas em concreto e num balanço global, a Sociedade portuguesa redescobriu-se, na Festa inimaginável, re-inventou-se, na Esperança em dias melhores, e reconciliou-se, na Paz reconquistada.

Durante longos e irrepetíveis meses sonhou-se muito, exagerou-se um pouco e ressacou-se o necessário, mas a grande mudança enfim concretizou-se: Portugal readquiriu a sua auto-estima, abraçou, ainda que com atraso, o Progresso Social e a Democracia de matriz europeia e enterrou, de vez, o seu pesado passado colonialista e imperial, sem rupturas graves, nem confrontos sociais assinaláveis.

Reposta a normalidade depois de alguns excessos cometidos, a Sociedade portuguesa olhou de frente o seu Futuro e encetou um novo percurso histórico, desta vez com os olhos na Europa desenvolvida. Passados menos de cinco anos após o 25 de Abril, Portugal era um País livre, independente, democrático, com um Estado de Direito internacionalmente reconhecido e apreciado e com um Povo tido por exemplarmente pacífico, ordeiro e trabalhador.



A grande mudança entretanto operada tornara a Sociedade muito mais igualitária, derrubara ancestrais barreiras sociais e iniciara um processo de dignificação das suas condições de vida, que transformariam por completo a ancestral Sociedade arcaica e rude numa Sociedade mais informada, mais urbana, mais próspera e mais ambiciosa.



À entrada dos anos oitenta, com grande parte dos principais problemas mais graves do País já resolvidos - a Miséria, o Analfabetismo, a Emigração, a intergração dos "Retornados" e dos ex-combatentes no "Ultramar" -, e apesar do reconhecimento das dificuldades do País em termos económicos, a confiança dos portugueses no seu Futuro era ainda muito elevada e o Povo, pode afirmar-se, de um modo geral vivia bastante feliz. Até já tinha orgulho na sua Música popular (o "Rock português"...) e nos seus desportistas (Carlos Lopes e Fernando Mamede, Rosa Mota, a equipes de futebol do Porto e do Benfica e a própria Selecção nacional, que finalmente regressara à alta-roda internacional!).



E o milagre aconteceu com a adesão à mítica Europa: a partir de meados dos anos oitenta, Portugal passa a ser um País em franco "desenvolvimento", sustentado pelas avultadas somas de dinheiro que inundam a Economia nacional a partir dos chamados Fundos Comunitários de adesão! E a Sociedade portuguesa acelera o seu processo de transformação, mas orientado agora num sentido bastante diferente do anterior: partindo de um patamar de maior desafogo e confiança, o brusco e inédito aumento da riqueza nacional depressa induziu fenómenos de maior individualismo, competição, ostentação e desenfreado consumismo, que rápidamente teve consequências perniciosas no modelo de coesão social vigente, a par do crescimento de novas realidades mal avaliadas, que virão a criar novos e difíceis problemas ao País.



No entanto, no auge da orgia dos dinheiros europeus e sem tempo para reflectir sobre o seu Presente, quanto mais sobre o seu Futuro, a Sociedade portuguesa, embriagada com tanta prosperidade fácil, atravessa os anos noventa rejubilando de contentamento e celebrando a sua impante auto-contemplação em cerimoniais festivos, eventos faustosos, obras megalómanas e projecções ilusórias, como a "vitória" da auto-determinação de Timor-Leste ("Loro Sae"), a Ponte Vasco da Gama, a Expo'98 e a preparação do "Euro'2004".






Ao mesmo tempo que se vai expondo a novos fenómenos de "contágio", como a convivência com Estrangeiros, que cada vez mais nos visitam, ou vêm para cá trabalhar ou estudar, a par de um significativo incremento das viagens em férias, ou em trabalho dos portugueses, bem como das relações familiares, nomeadamente conjugais, com Estrangeiros. No fundo, Portugal está perfeitamente integrado não só na Europa e na sua vanguarda - aderindo ao Euro -, como no próprio mundo ocidental e na denominada "globalização", ou "mundialização"!



E é ainda com este estado de espírito, próximo da euforia, que uma Sociedade portuguesa já bastante diversa da dos tempos finais do auto-designado "Estado Novo" entra no Século XXI, isto é, no "Terceiro Milénio"!...



Transportando consigo já os germes de algumas patologias, ainda que sem o saber, por ausência total de reflexão sobre si própria, que começou a escassear por alturas do fim das ilusões ideológicas associadas aos marxismos e aos socialismos, sobretudo com a queda do Muro de Berlim, e do simultâneo triunfo de uma nova cultura urbana e dita pós-moderna, associada ao individualismo, ao hedonismo, ao imediatismo e a um excessivo consumismo.



Em finais do Século XX a Sociedade portuguesa está doente, mas ainda não o sabe, nem o sente...



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