quinta-feira, 20 de maio de 2010

«Fantasia Lusitana», filme de João Canijo.

.
«Fantasia Lusitana» fala-nos da realidade portuguesa no apogeu do Estado Novo, ajudando-nos a compreender melhor e a desmontar a fantasia real que nos foi criada e impingida, desde os primeiros bancos da Escola, sobre esse longo período das vidas dos nossos Pais, Avós e Bisavós, ou seja, da História Pátria recente.


Fala-nos da realidade portuguesa, embora centrando-se muito na sua representação simbólica máxima, patente na sua faceta lisbonense, que tinha tanto de cosmopolita e imperial, como de provinciana e urbano-portuária.


Mostra-nos, no ambiente citadino de uma Lisboa ainda bastante contida e pitoresca, os contrastes de um Povo pobre, humilde, mas orgulhoso de si próprio, ingénuo e atemorizado por Demónios vários. Contudo, sempre procurando realçar os traços comuns do carácter de uma população heterogénea, onde se caldeavam alfacinhas de gema, dos Bairros populares, com os representantes ou descendentes de migrações internas, antigas ou ainda muito características dessa época, bem como alguns laivos discretos de uma imigração colonial e, sobretudo, os testemunhos de muitos estrangeiros, alguns deles quase famosos, que visitaram ou passaram por Lisboa nos primeiros tempos da Segunda Guerra Mundial.


Não sendo própriamente um "fresco" sobre a época, longe disso, consegue antes criar um certo efeito claustrofóbico, desfocado e impressionista, que nos surpreende, deixando a pairar muito mais interrogações do que respostas às mesmas.


Num tom distanciado e quase neutro, dá-nos um magnífico contributo para a compreensão de como poderá ter sido a vida portuguesa dos anos quarenta e cinquenta (quando eu, por exemplo, ainda por cá não andava...), muito para além da visão idílica de um País pacífico, crente, pobre, mas honrado, orgulhoso e feliz, criada pela propaganda mais ou menos maciça ou insidiosa do Estado Novo, por um lado, ou da descrição demasiado simplificada e caricaturada pela "contra-propaganda revolucionária" do pós-25 de Abril, por outro.


Independentemente dos seus méritos artísticos, enquanto Filme, ou mesmo históricos, enquanto Documentário, ressalta de «Fantasia Lusitana» uma pesada e incómoda sensação de não apenas nos ter sido negada uma noção objectiva e imparcial sobre um período determinante para a compreensão do nosso Presente nacional, como sobretudo de não termos ainda conseguido criar espaço e vontade dentro de nós para, agora que podemos fazê-lo, preencher essa grave lacuna identitária e cultural, indo em busca duma visão histórica e desapaixonada sobre o que alguns chamam o Estado Novo, outros o Salazarismo, outros ainda o Fascismo português, o Tempo da "Outra Senhora", ou a nossa 2ª República...


Pois então parabéns ao João Canijo e que venham mais Documentários, mas sobretudo mais Ensaios e Estudos históricos, económicos, sociais e, por que não, também mais Romances, mais Filmes, mais peças de Teatro, mais séries de Televisão, seja o que for, que nos faça reflectir sériamente sobre este tempo e, acima de tudo, aumentar o nosso conhecimento sobre ele destruindo, se necessário, velhos preconceitos e mitos, tantas vezes inconscientemente adquiridos e sem qualquer consistência factual.


A «Fantasia Lusitana» bem que poderia ser o primeiro "fascículo" de uma grande saga, a que poderiam agora seguir-se, por exemplo, sequelas sobre a ocupação portuguesa dos territórios ultramarinos, sobretudo Angola e Moçambique, sobre a Emigração portuguesa no Século XX, para Áfricas, Brasis, Franças e Araganças nas quatro partidas do Mundo, sobre a tragédia da Guerra do Ultramar (também dita Colonial, ou de Libertação, consoante as perspectivas...), sobre a Descolonização e o fenómeno da absorção dos "retornados" pelo tecido social português da ex-"Metrópole", sobre o despovoamento dos nossos campos e a perda da identidade rural com o "Progresso" do pós-25 de Abril e a urbanização acelerada, sobre a criação de um novo tipo de mentalidade associada aos fenómenos da sub-urbanização, da peri-urbanização e da pulverização dos fenómenos urbanos por todo o Território...


Mas também algumas "prequelas", como a transformação profunda ocorrida em Portugal com a precoce Implantação da República, antes ainda de este fenómeno ter chegado a Espanha...

quinta-feira, 11 de março de 2010

Metáfora portuguesa

Se Portugal, enquanto País, pudesse ser representado, por exemplo, como um normal edifício de habitação...



... pois creio que teria fundações e caboucos já muito vetustos, dos tempos ainda do Santo Ofício e da Monarquia absolutista; teria uma cave insalubre, pouco frequentada e a modos que intimidante, com um odor forte a moralismo católico e temor reverencial ao Destino; uma estrutura porticada convencional e aparentemente sólida, porém bastante degradada, concebida e executada por um auto-denominado Estado Novo; uma Arquitectura algo ingénua, incaracterística e pouco eficaz, projectada pelo Nacional-porreirismo, em sucessivos impulsos desconexos, desde os tempos de uma saudosa Revolução de Abril, pacífica e generosa, sim, mas curta de horizontes a médio e longo prazo; um Equipamento Técnico moderno e caro, todavia inadequado e montado demasiado à pressa no fulgor do Cavaquismo (e pago com dinheiros europeus fáceis); teria, ainda, uma decoração interior pindérica e notóriamente provinciana, ao pior gosto e estilo do novo-riquismo social e económico dos tempos do Guterrismo e do Barrosismo-Santanismo.


O estado actual do imóvel (paredes, pavimentos, tectos, portas e janelas, arrumação e limpeza gerais, qualidade do ar interior, etc....) é já, no entanto, da responsabilidade de um Mordomo novo e recentemente contratado, chamado José Sócrates, que se tem esforçado por realizar um trabalho vistoso, mas a quem a energia de sobra não compensa a incúria dos anteriores titulares do posto, o desmazelo dos próprios moradores, a insuficiência dos meios disponíveis e a sua própria pouca propensão natural para as tarefas de maior alcance estratégico, que não sómente as da manutenção rotineira.


Como proceder à recuperação deste valioso património imobiliário é um dos principais temas que me proponho debater neste novo espaço, que também tentará efectuar introspecções metódicas à nossa auto-consciência colectiva e à definição de como desejaríamos ser vistos por nós próprios, face ao Mundo exterior que nos rodeia e acompanha.

«Somos Filhos da Madrugada!

Pelas praias do Mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor nos ramos...»